sexta-feira, 22 de abril de 2011

Traduções pascoais

Seguem traduções minhas do trabalho do escritor libanês Gibran Khalil Gibran, Jesus the Son of Man (Jesus, o Filho do Homem), de 1928, escrito originalmente em inglês. Ressalto que sou cristão, e comungo da fé cristã, e considero os textos como mera ficção, com alguma inspiração bíblica. Faço a tradução e posto aqui porque considero os textos interessantes e bonitos, não para divulgar qualquer possível heresia presente no seu conteúdo. O que se desviar da Bíblia nos textos a seguir não representam a minha fé, nem deve representar a de vocês, leitores. O trabalho consiste em depoimentos fictícios de personagens bíblicas ou outras personagens inventadas da época que de alguma forma tiveram contato com Jesus. Para ler os textos originais, clique aqui.

A esposa de Pilatos para uma dama romana

Eu estava caminhando com minhas aias nos bosques fora de Jerusalém, quando O vi com alguns homens e mulheres sentados à Sua volta; e Ele estava falando em uma língua que eu entendia apenas parcialmente.
Mas ninguém precisa de linguagem para perceber um pilar de luz ou uma montanha de cristal. O coração sabe o que a língua talvez nunca pronuncie e os ouvidos talvez nunca ouçam.
Ele estava falando a Seus amigos sobre amor e força. Eu sei que Ele falava de amor porque havia melodia na Sua voz; e eu sei que Ele falava de força porque havia exércitos nos Seus gestos. E Ele era gentil, embora nem mesmo meu marido pudesse falar com tamanha autoridade.
Quando Ele me viu passar, parou de falar por um momento e olhou para mim bondosamente. E eu fiquei humilde; em minha alma eu sabia que eu acabara de passar por um deus.
Depois daquele dia a Sua imagem visitou-me em minha privacidade quando eu não seria visitada por ninguém; e Seus olhos vasculharam a minha alma quando meus próprios olhos estavam fechados. E Sua voz governa a quietude de minhas noites.
Eu me sinto aprisionada para sempre; e há paz na minha dor, e liberdade nas minhas lágrimas. Amada amiga, você nunca viu aquele homem, e você nunca o verá. Ele se foi além dos nossos sentidos, mas de todos os homens, ele é o que está mais perto de mim.

Pôncio Pilatos


Sobre rituais e cultos orientais

Minha mulher falou dele muitas vezes antes que Ele fosse trazido perante mim, mas eu não estava preocupado.
Minha mulher é uma sonhadora, dada, como muitas romanas de mesmo status, a cultos e rituais do oriente. E esses cultos são perigosos para o Império; e quando eles encontram um caminho para os corações de nossas mulheres, eles se tornam destrutivos.
O Egito encontrou seu fim quando os Hyskos da Arábia trouxeram-lhe o deus do deserto. E a Grécia foi sobrepujada e caiu ao pó quando Ashtarte e suas sete aias vieram das praias sírias.
Quanto a Jesus, eu nunca havia visto o homem antes que Ele fosse trazido até mim como um malfeitor, como um inimigo da sua própria nação e também de Roma.
Ele foi trazido ao rol de julgamento com Seus braços amarrados ao Seu corpo com cordas.
Eu estava sentado, e Ele andou em minha direção com passos longos e firmes; então Ele permaneceu aprumado, de cabeça erguida.
E eu não podia descrever o que me acorreu naquele momento; mas foi meu desejo súbito, embora não minha vontade, levantar-me, e em seguida ajoelhar-me perante Ele.
Eu senti como se César houvesse entrado no rol, um homem maior que a própria Roma.
Mas isso durou por apenas um momento. E então eu vi apenas um homem que fora acusado de traição por Seu próprio povo. E eu era o Seu governador e o Seu juiz.
Eu interroguei-Lhe mas Ele não respondia. Ele apenas olhava para mim. E o Seu olhar era de pena, como se fora Ele o meu governador e o meu juiz.
Então lá de fora cresceram os clamores do povo. Mas Ele permaneceu calado, e ainda olhava para mim com pena nos Seus olhos.
E eu fui às escadarias do palácio, e quando o povo me viu, parou de gritar. E eu disse, "O que fariam com este homem?"
E eles gritaram como se fossem uma só garganta, "Nós O crucificaríamos. Ele é nosso inimigo e inimigo de Roma."
E alguns disseram, "Ele não disse que destruiria o templo? Não foi Ele quem se proclamou rei? Nós não temos rei, senão César."
Então eu os deixei e voltei ao rol de julgamento, e O vi ainda lá de pé, sozinho, e Sua cabeça ainda estava erguida.
E eu me lembrei do que havia lido de um filósofo grego, "O homem sozinho é o homem mais forte." E neste momento o nazareno era maior que Sua raça.
E eu não senti clemência para com Ele. Ele estava acima da minha clemência.
Eu O perguntei, "És tu o Rei dos Judeus?"
E Ele não disse uma palavra.
Eu O perguntei novamente, "Não terias tu dito que é o Rei dos Judeus?"
E Ele olhou para mim.
Então Ele me respondeu com uma voz calma, "Tu mesmo proclamou-me rei. Talvez para esse fim eu tenha nascido, e por causa disso tenha testemunhado a verdade."
Observe um homem falando de verdade em tal momento.
Na minha impaciência eu disse em voz alta, a mim mesmo tanto quanto a Ele, "O que é a verdade? E o que é a verdade para o inocente quando a mão do seu carrasco já está sobre ele?"
Então Jesus disse com poder, "Ninguém governará o mundo salvo em Espírito e em verdade."
E eu perguntei-Lhe, "És tu do Espírito?"
E ele respondeu, "Como também és tu, embora não saiba."
E o que era o Espírito e o que era a verdade, quando eu, pelo Estado e pelo ciúme dos seus rituais antigos, entregava um homem inocente para a Sua morte?
Nenhum homem, nenhuma raça, nenhum império pararia ante a verdade, em seu caminho para a autorrealização.
E eu disse novamente, "És tu o Rei dos Judeus?"
E Ele respondeu, "Tu mesmo o disseste. Eu terei conquistado o mundo antes disto."
E isso, de tudo o que Ele disse, era o mais improvável, já que apenas Roma conquistou o mundo.
Mas então as vozes do povo se levantaram novamente, e o barulho era maior que antes.
E eu desci do meu assento e disse a Ele, "Siga-me."
E novamente apareci na escadaria do palácio, e Ele ficou ao meu lado.
Quando as pessoas O viram, rugiram como um trovão. E do seu clamor eu não ouvia nada além de "Crucifiquem-No! Crucifiquem-No!"
Então eu entreguei-Lhe aos sacerdotes que haviam entregado-Lhe a mim, e disse a eles, "Façam o que quiserem com este homem justo. E se for do seu desejo, levem soldados de Roma para guardá-Lo."
Então eles levaram-No, e eu decretei que fosse escrito sobre Sua cruz, sobre Sua cabeça, "Jesus Nazareno, Rei dos Judeus." Eu devia ter dito em vez disso, "Jesus Nazareno, um Rei."
E o homem foi despido e torturado e crucificado.
Estava em meu poder salvá-Lo, mas salvá-Lo teria causado uma revolução; e é sempre sábio para o governador de uma província romana não ser intolerante com os escrúpulos religiosos de uma raça conquistada.
Ainda creio, mesmo agora, que o homem era mais que um mero agitador. O que eu decretei não era a minha vontade, mas preferivelmente o melhor para Roma.
Não muito depois, nós deixamos a Síria, e daquele dia em diante a minha esposa tem sido uma mulher triste. Algumas vezes mesmo aqui neste jardim eu vejo tragédia em seu rosto.
Contam-me que ela fala muito de Jesus com as outras mulheres de Roma.
Observem, o homem cuja morte eu decretei retorna do mundo das sombras e entra na minha própria casa.
E dentro de mim eu me pergunto, de novo e de novo, o que é a verdade e o que não é a verdade?
Seria possível que o sírio está nos conquistando nas horas quietas da noite?
Não deveria ser.
Pois Roma deve prevalecer contra os pesadelos de nossas esposas.

2 comentários:

Mariana disse...

Tá certo, Thomas, mas são textos muito agradáveis de se ler.
Já li muitos livros de Gibran Kalil Gibran, a bastante tempo, em época de estudante e acho que mal não fazem. O de Parábolas, por exemplo, tem ensinanças muito boas, cristãs, que acho que valem a pena a sua leitura, especialmente se o leitor não praticar nenhuma religião.
Esta aí, eu desconhecia e gostei bastante.

Bel disse...

Não há império que não se acabe. Talvez não passasse pela cabeça de Pilatos que o Reino do qual Jesus falava fosse infinitamente maior do qualquer mundo e o quão difícil é chegar no coração dos homens...

Adorei!